As estruturas da educação brasileira que perderam o caminho da música ao longo de 50 anos e os novos braços que acolhem jovens para a cultura.
Em alguns meses a Lei 11.769 completará 11 anos. Pouca coisa mudou desde 18 de agosto de 2008, quando foi aprovada. Esta lei alterava as Diretrizes Básicas da Educação, determinando que o ensino de música fosse obrigatório no currículo escolar. Entretanto, há tempos existe uma carência no ensino cultural nas escolas brasileiras. Pouco a pouco, projetos sociais vem tomando conta desta frente de maneira a preencher esse espaço deixado pelo governo. Este caminho de descaso com a música é de longa data e conhecer este caminho é necessário para entender o atual estado do ensino musical nas escolas brasileiras.
Durante muito tempo o ensino musical foi parte importante do currículo escolar, porém na década de 1970 isso mudou. Durante a Ditadura Militar, com o empreendimento da Lei 5.692 sancionada em 1971, o governo gradativamente deixava o ensino específico da música para colocá-la nas grades do ensino de artes com a denominação de educação artística.
Tais aulas eram voltadas para as práticas artísticas e, mais comumente, as visuais e plásticas, e cada vez menos para o desenvolvimento dos saberes da arte, tais como história ou interpretação das artes. Com isso, os saberes da música deixavam pouco a pouco de fazer parte da cultura comum.
Na década de 1990 a Lei das Diretrizes e Bases da Educação 9.394, veio para findar a precariedade dos estudos culturais nas escolas públicas, estabelecendo para os profissionais lecionarem dentro das especificidades de sua área de formação. Ou seja, para que se pudesse haver qualquer tipo de ministração de aulas de música seria necessário um concursado graduado numa instituição de ensino superior que oferecesse licenciatura em música.
Após 12 anos da sanção da LDB 1996, o governo federal promulgou em 2008 um novo projeto que pretendia então instalar o ensino musical nas escolas: a Lei 11.769. Ao longo da década seguinte foram feitos investimentos para que se produzisse o material necessário, assim como o aporte técnico para que as aulas de música fossem dadas. Porém, foi deixado nas mãos das escolas como isto seria gerido e planejado.
A falta de professores, principalmente profissionais da música graduados que tivessem as técnicas pedagógicas necessárias para ensinar em escolas de ensino fundamental e médio, era grande. De acordo com a Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) em 2008.
“A questão a ser enfrentada, a partir desse momento, é a da formação de professores especializados para o ensino de Música. Tarefa que levará algum tempo, muito mais que os três anos estabelecidos pela legislação, tendo em vista serem poucos os cursos de licenciatura em Música no Brasil”.
O problema se volta ao governo, que não deveria apenas normatizar, mas também criar projetos de incentivo aos estudos da música, investindo na educação básica bem como na formação de profissionais capacitados a darem aulas de educação musical em escolas de ensino fundamental e médio.
Segundo o Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no ano de 2017 cerca de 1705 pessoas concluíram o curso de Licenciatura em Música em todo o Brasil. São 124 cursos específicos voltados para a formação de professores de música, para instruir profissionais capacitados a dar aulas de musicalização para alunos de 1º ao 9º ano do fundamental e dos três anos do ensino médio, não com o intuito maior de formar músicos nas escolas, mas de desenvolver sensibilização e criatividade nos alunos.
Sem professores e sem incentivo do governo, materiais comprados foram deixados às traças, encostados em salas faltando alguém que ensinasse os alunos a utilizá-los e que desse sentido ao seu propósito.
Os acordes mudos e as notas sem som são casos do descaso que não só caem sobre a administração federal, estadual e municipal. Os problemas também são em parte culpa duma sociedade que despreza o aprendizado da música e volta-se para a indústria. O desenvolvimento de habilidades musicais torna-se uma responsabilidade individual e pode ser expandido num provável ensino superior, mas frequentemente cai para a profissionalização precoce do músico, que fica à sorte do mercado musical.
Estes músicos, que outrora foram alunos de música, foram acolhidos por outras iniciativas em outras instituições, tais como escolas particulares de música, instituições religiosas e projetos sociais. São estes lugares que acolhem os jovens músicos, seja pela primazia do ensino ou pela popularidade na sociedade.
Colado à religião e aos projetos sociais, o ensino de música sobrevive por custeio da comunidade que vê novos músicos se desenvolvendo perto de si, que podem seguir a carreira musical, seja ela profissional ou acadêmica. Ela também vê o retorno (corpo físico) pessoal, onde muitos destes indivíduos, ligados à comunidade, voltam a tais iniciativas para repassar seus conhecimentos e experiências.
Isto é visto em projetos em toda Belo Horizonte, como o Projeto Parque Escola Sagrada Geração, que desde 2010 vem atuando no propósito de não só formar músicos para a orquestra, mas ainda instruir e sensibilizar pessoas para a música. Ao longo destes 8 anos e meio teve 62 alunos e formou uma orquestra de 12 membros.
Com aulas ministradas aos sábados e domingos por professores voluntários, o Projeto funciona através da parceria de professores de música com a comunidade, que auxilia o projeto atuando como alunos e espectadores da orquestra que performa no anfiteatro do Parque Jacques Cousteau.
Visto o desenvolvimento das culturas no Brasil, a presença da música na ação formadora de cidadãos é importante. Onde os braços do governo demoram a chegar, os protagonistas das comunidades agem para auxiliar na conscientização,cidadania e responsabilidade, contribuindo na formação cultural das pessoas e de novos sujeitos cientes de como ajudar a melhorar nossa sociedade.